domingo, 30 de dezembro de 2012

Por que acredito em Deus, parte II

Antes desta leitura, leia o texto Por que acredito em Deus, que traz a primeira parte desta análise.

Feita a constatação de que a consciência é indispensável para que o universo em que vivemos tenha as leis físicas e, com isto, toda a configuração que experimentamos, façamos outra análise.

Primeiro, constata-se que se a conformação do universo depende da consciência, da mente, então não se pode falar que é a matéria que gera a mente (no cérebro, como é suposto pela ciência mais ortodoxa).

Pelo experimento da escolha retardada com o uso do apagador quântico, fica claro que não só a sobreposição de estados de dada partícula só é desfeita quando é possível se distinguir uma dentre duas possibilidades físicas (sem que tal distinção implique em qualquer tipo de interação com o elétron, ou fóton, que já não tenha ocorrido), ou seja, se o pesquisador consegue definir, a partir do que é captado pelos sensores, se uma partícula elementar obrigatoriamente apresentou um só caminho percorrido. O curioso é que tal possibilidade independe do tempo. Em outras palavras, a medição feita hoje afeta, ao menos em nível de escala atômica, o futuro e o passado. Mas, como Stephen Hawking e Leonard Mlodinow propõem, essa característica de “seleção dentre possibilidades” para uma partícula pode (e deve) ser estendida a toda a história do universo e às leis que o regem.  

A citada característica de independência temporal se denomina por “atemporal”. Logo, os efeitos da consciência na matéria, quando atua como seletor que permite definir a história descrita e despreza as potencialidades concorrentes, são atemporais.

A implicação disto é que a observação feita no que percebemos como “agora” define, em todo ou em parte, a história do universo do seu momento inicial ao seu fim (se existir um). Saindo da escala macro do universo e retornando a observação de um fóton, o que equivale a se ater a experiência já citada aqui, note que a redução de estado (perda de sobreposição) implica em definir um (grupo de) caminho para a partícula no seu deslocamento no tempo, momento a momento. Em dado contexto, pode-se assim afirmar que a partícula tenha estado nesta ou naquela posição. Isso ilustra a característica temporal e local da matéria.

Todavia, se a matéria exibe características locais e temporais, a característica não local só pode vir da outra componente fundamental do universo: a consciência. Contudo, se o fator atemporal é inerente à consciência, então, por certo, no momento inicial do universo, a mente já existia [1], ainda que o espaço-tempo fosse um embrião e a matéria um aglomerado de densidade descomunal. Note que, neste contexto, não faz sentido supor consciências (múltiplas): o universo tem dimensões pontuais neste estágio. Mais ainda: não faz sequer sentido em postular uma consciência local, presa a influências exclusivamente daquilo que a cerca.

Assim sendo, a proposição de uma mente única, uma só consciência, da qual somos parte (e utilizamos de fração da mesma) é a proposta que atende de forma simples e direta as necessidades físicas (e metafísicas) daquilo que observamos na natureza.  

O mais prudente seria afirmar que aquilo que chamamos de consciência deriva de algo que existe no universo, na criação, que independe do tempo e espaço. É exatamente essa consciência, ou mente, primária, da qual tudo deriva, é que pode ser chamada de Deus.

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[1] O correto seria afirmar simplesmente que a mete existe, visto que, de acordo com a análise aqui apresentada, ela é atemporal: não faz sentido, portanto, colocar o verbo no passado ou futuro.

domingo, 16 de dezembro de 2012

A Consciência Quântica



Quem quer que não que chocado com a teoria quântica, não a compreende.
Niels Bohr

A física quântica trata daquilo que pesquisamos na sua forma mais elementar, considerando a estrutura íntima que de ne nosso universo. Esse ramo da física apresentou cientificamente, pela primeira vez, hipóteses que investigam momento exato do Big Bang. A flutuação do vácuo (seção 7.4.5) traz uma possibilidade inimaginável na física clássica: matéria/energia surgindo e desaparecendo, ainda que por fração mínima de segundo.
Exatamente neste domínio incomum é que Stuart Hameroff e Roger Penrose, anestesista e matemático/físico respectivamente, propõem uma ousada inovação conceitual, uma quebra de paradigma. Eles estruturaram uma teoria em que a consciência é estreitamente ligada aos fenômenos quânticos.
Segundo esses pesquisadores, há fenômenos na consciência que não podem ser simulados por um computador por possuírem características como: o entendimento, insights, inteligência, receptividade, dentre outras. Penrose expõe estes argumentos em livros de divulgação. Ele mostra como os fenômenos relacionados à física quântica podem oferecer uma explicação para as características não simuladas computacionalmente.
A ideia traz uma nova explicação para a natureza da consciência e, também por isso, é controversa. Há diversos detratores e ainda não possui comprovação satisfatória. Porém, ela faz algumas predições que podem ser efetivamente testadas experimentalmente, diferente de várias outras explicações de outras teorias sobre o mesmo fenômeno.
Com um argumento puramente científico, sem recorrer a qualquer filosofia religiosa ou mística, os cientistas citados explicam que as estruturas chamadas de microtúbulos, presente nas células, possuem características as quais permitem que fenômenos quânticos se manifestem em seu interior.
Os microtúbulos são pequenas estruturas que formam o citoesqueleto celular. Na ideia proposta, o citoesqueleto, presente até mesmo nos organismos unicelulares, seria responsável pela manifestação da consciência em seu nível mais básico. Isso explicaria comportamentos mais complexos em seres formados de uma só célula que dependeriam de um mínimo de inteligência, processamento que hoje é atribuído aos neurônios em humanos, por exemplo, para executá-los.



Nesta teoria, os fenômenos quânticos ocorreriam no interior dos microtúbulos. Estas estruturas são em formas de tubos e sua parede é formada por uma proteína denominada tubulinas. A tubulina tem, no mínimo, dois aspectos. Isso é fundamental na teoria discorrida. A interação quântica no interior dos microtúbulos confi guraria a morfologia da tubulina e esta seria lida como um disco rígido (memória) de um computador: um autômato celular nas palavras de Hameroff .

Esta visão depõe a ideia de que os neurônios são meros interruptores do impulso nervoso e afirma que cada neurônio, com seus vários microtúbulos, tem um comportamento similar a um computador. Penrose ilustra como os tubos da estrutura podem abrigar as atividades quânticas de forma perfeitamente isolada do ambiente caótico que lhes é externo.

O cientista explica ainda como a consciência parece estar relacionada ao fenômeno da mecânica quântica conhecido como não localidade. A água ordenada, que fica fora dos microtúbulos, funciona como um isolante extra para assegurar a conformação das tubulinas somente pelas atividades da mente, garantindo, com isso, as atividades não-computáveis.
Se você não entendeu o resumo, do que propõe Penrose e Hameroff , na breve exposição que fiz, não se preocupe. Basta ter em mente que esta é uma teoria científica onde seus autores afirmam que a atual geração de computadores, por mais memória que estes venham a ter e com o processador mais veloz teoricamente possível, não poderá gerar consciência. A consciência, assim, é dita não computável.
Outro aspecto importante da teoria é a concepção de que as atividades sob domínio da mecânica quântica são as responsáveis diretas pela geração  da consciência. Estas atividades interagiriam com estruturas nas células (microtúbulos), as quais responderiam com atividades já a nível celular.




domingo, 9 de dezembro de 2012

Por que acredito em Deus


Parte 1

Alguns alegam que as pessoas são religiosas, em geral, por serem criadas em culturas imersas em tal tendência: os pais são religiosos, os avôs e tios também, vizinhos, amigos, etc. Parece ser uma possibilidade forte para alguns terem alguma religião, mas isso seria desprezar o poder de raciocínio e crítica da maioria de nós.

Para aqueles que colocaram tais qualidades em ação, quase certamente aderiram a alguma forma de religiosidade por determinado padrão filosófico de convencimento (para alguns, um autoconvencimento). Outros, talvez, sintam alguma espécie de conforto nesse tipo de posicionamento. Há, ainda, aqueles que alegam terem tido uma “revelação” pessoal. Claro que essas justificativas não são mutuamente excludentes e dadas pessoas podem apresentar várias delas.

Assim, podemos alegar que se têm motivos culturais, emocionais e filosóficos para se dotar uma religião, ou, ao menos, uma religiosidade (os discordantes podem alegar que também existem motivos de tal ordem para ser um ateu, por exemplo).

Isso posto, surge uma questão: há motivos baseado na ciência, na física em particular, para se acreditar em Deus? Em outras palavras, é possível inferir, diretamente, algum conceito de Deus a partir da ciência, da física? Minha resposta é... sim. Vejamos o porquê.

No texto Redução de Estado e Consciência demonstro que, para uma interpretação coerente com a realidade física verificável experimentalmente, a redução de estado é condicionada a:
- preparo físico da experiência sob domínio de estudo da mecânica quântica; e
- a disponibilização irremediável, em relação ao experimento citado, de informações que permita diferenciar efetivamente, a nível cognitivo, um comportamento de outro.

Vamos interpretar isso. 

A experiência física é executada, mas os resultados verificados dependem dos aparatos físicos utilizados e, além destes, de que aquilo que foi medido permita diferenciação entre dois padrões de comportamento possíveis (ondulatório ou corpuscular). Em outros termos, ainda que a medição na partícula seja feita da mesma forma, que os sensores sejam idênticos, etc., que as interações físicas entre as partículas e os equipamentos não se diferencie, não basta que os detectores sinalizem (de forma visual, sonora, etc.) que essa ou aquela partícula chegou ao sensor: a armação do conjunto experimental tem de permitir, de alguma forma, que um observador seja conclusivo ao analisar os dados medidos em relação à partícula analisada ter percorrido um ou mais caminhos. Ou seja, se o experimento não permitir a possibilidade de tal verificação, do conhecimento – não de qualquer interação física – intelectual de que foi ou não adotado determinado caminho pela partícula, o comportamento verificado será ondulatório. 

Perceba que utilizando o mesmo tipo de equipamento, com os mesmos padrões de interações, a redução de estado (colapso da função de onda) só ocorre se a qualidade da informação - ou seja, não é só a mera informação física (visual, sonora, etc.) - tiver um aspecto cognitivo de forma a permitir compreensão e gerar um conhecimento diferenciado entre (pelo menos) duas possibilidades físicas verificáveis.

Como está explícito, o aspecto objetivo físico é condição necessária, mas não suficiente para a redução de estado. Assim sendo, o fator (teoricamente) subjetivo se mostra necessário à determinação do colapso da função de onda.

Esta constatação não é nova, embora a análise física apresentada no texto Redução de Estado e Consciência seja original. Ao fim deste texto, apresento citações de alguns físicos que, em maior ou menor grau, indicam a mesma conclusão (ou desaprovam essa compreensão em pares).

Sobre as interpretações subjetivistas de pesquisadores em relação ao problema da medição, Osvaldo Pessoa Jr [1] diz: 

Na década de 1930, antes da 2ª Guerra Mundial, as visões subjetivistas na Teoria Quântica eram fortes; após a Guerra, houve um crescimento e domínio das visões objetivistas (...) A partir dos anos 70, houve um aumento nas discussões filosóficas, e na década de 90 houve um retorno de visões subjetivistas, colocando o objetivismo na defensiva.”

Isto posto, de forma bastante resumida, apresento trechos que reflete a linha de argumento principal de Stephen Hawking e de Leonard Mlodinow (que também apresentam posição filosófica pessoais claramente ateia) exposto no livro O Grande Projeto.
- “(...) segundo a física quântica, cada partícula tem alguma probabilidade de ser encontrada em qualquer local do universo.”.
- “As probabilidades nas teorias quânticas (...) refletem uma aleatoriedade fundamental na natureza.”.
- “Na década de 1940, Richard Feynman teve um assombroso insight sobre a diferença entre o mundo quântico e o newtoniano (...) partícula não tem uma posição definida durante o tempo que se encontra entre o ponto inicial e o final. Feynman percebeu que isso não significa dizer que as partículas não têm trajetórias durante sua jornada entre a fonte e a tela. Antes, isso pode significar que as partículas percorrem todas as trajetórias possíveis conectando esses dois pontos (...) e o fazem simultaneamente!
- “A teoria de Feynman ilustra com especial clareza como um cenário de mundo newtoniano pode emergir da física quântica. (...) a teoria de Faynman permite prever os resultados prováveis de um ‘sistema’, que poderia ser uma partícula, um conjunto de partículas ou mesmo todo o universo.”
- “Feynman mostrou que, para um sistema geral, a probabilidade de qualquer observação é construída a partir de todas as histórias que poderiam levado àquela observação. (...) esse método é denominado de ‘soma sobre as histórias’ ou de ‘histórias alternativas’ da física quântica.”.
- “O fato de que o passado não tem uma forma definida implica que observações que fizemos de um sistema no presente afetam o seu passado. Isto é assinalado (...) por um tipo de experimento (...) chamado experimento de escolha retardada.”.
- “As leis da teoria-M, portanto, abrem a possibilidade de diferentes universos com diferentes leis aparentes.”.
- “(...) o universo apareceu espontaneamente, começando de todo modo possível.”.
- “(...) De fato, existem muitos universo (...) às vezes denominada conceito do multiverso (...)”.
-“(...) podemos retraçar a história do universo de cima para baixo (top-down), ou seja, ir para trás partindo do tempo presente. (...) As histórias que contribuem à soma de Feynman não têm existência independente, mas dependem do que está sendo medido. Criamos a história pela nossa observação, em vez de a história nos criar.”.
- “(...) a probabilidade quântica de que o universo tenha mais ou menos de três dimensões é irrelevante porque já determinamos que estamos em um universo com três dimensões espaciais extensas.”.
- “(...) nossa própria existência impõe regras determinando de onde e em que momento é possível para nós observarmos o universo. (...) a ocorrência do nosso ser restringe as característica do tipo de ambiente na qual nos encontramos. Esse princípio é chamado princípio antrópico fraco. (...) O princípio antrópico fraco não é muito controverso. Mas há uma forma mais forte, que defendemos aqui, apesar de ser encarada com desdém por alguns físicos. O princípio antrópico forte sugere que o fato de existirmos impõe restrições não apenas ao nosso ambiente, mas também às possibilidades de forma e conteúdo das leis naturais. Essa ideia surgiu porque não são somente as características do nosso sistema solar que parecem estranhamente favoráveis ao desenvolvimento da vida humana, mas também as características de todo o universo, o que é muito mais difícil de explicar. (...) Basta mudar as regras do nosso universo só um pouquinho, e acabam-se as condições para nossa existência!”.
- “Nosso universo e suas leis parecem seguir um projeto feito sob medida e que, se for para realmente existirmos, deixa pouca margem para alterações. Isso não é simples de explicar e sucinta a questão natural de por que é desse modo.”.
- “(...) o multiverso pode explicar a sintonia fina das leis físicas sem a necessidade de um criador benevolente que fez o universo em nosso benefício. (...) Criação espontânea é a razão por que há algo em vez de nada (...)”.

As explicações de Stephen Hawking e Leonard Mlodinow são muito boas, mas há uma lacuna que desarticula a última citação em relação às conclusões precipitadas de eliminar um criador e o fator de espontaneidade da criação. Quando os autores estão construindo seu argumento, explicam as histórias alternativas da física quântica, citam que “partícula não tem uma posição definida durante o tempo que se encontra entre o ponto inicial e o final”. A posição final, como já discutido, para ser observada de forma clássica (sem sobreposição), depende também da possibilidade de alguma consciência verificar tal redução de estado (as “histórias de Feynman” podem ser compreendidas como os estados – como possíveis “trajetórias”, por exemplo -sobrepostos da partícula). Assim, todo o argumento da dupla de físicos fica fundamentalmente condicionado à existência do homem no universo, o que torna o princípio antrópico forte um princípio antropocêntrico: o universo depende da humanidade (enquanto espécie no planeta Terra, poderia se dizer que essa dependência é de mão-dupla). 

Continua...

É errado pensar naquele passado como ‘já existindo’ em todos os detalhes. O ‘passado’ é teoria. O passado não tem existência enquanto ele não é registrado no presente. Ao decidirmos quais perguntas o nosso equipamento quântico de registro irá fazer no presente, temos uma escolha inegável sobre o que temos o direito de perguntar sobre o passado

John Wheeler, físico norte americano.


 Paul Dirac (em 1928) afirma: “Pode-se dizer que a natureza escolhe aquele dentre os estados que convém (...) A escolha, uma vez feita, é irrevogável e afetará todo o estado futuro do mundo”. Heisenberg critica a interpretação de que a natureza faz a escolha nos seguintes termos: “Eu diria, preferencialmente, conforme fiz em meu último artigo, que o próprio observador faz a escolha, pois é só no momento em que a observação é feita que a ‘escolha’ se torna uma realidade física  e que a relação das fases nas ondas, o poder de interferência, é destruída.”.

Trechos com aspas retirado de: Osvaldo Pessoa Jr; Conceitos da Física Quântica, Vol I, Editora Livraria da Física


[Versão] Até agora, temos apenas um aparelho acoplado a um objeto. Mas um acoplamento, mesmo com um dispositivo de medição, não é ainda uma medição. A medição é realizada somente quando a posição do ponteiro é observada . É precisamente este acréscimo de conhecimento, adquirido pela observação, que dá ao observador o direito de escolher entre os diferentes mistura de resultados previsto pela teoria, rejeitar aqueles que não são observados, e atribuir para o objeto, a partir de então, uma nova função de onda, que é um caso de um resultado puro  encontrado. Notamos o papel essencial desempenhado pela consciência do observador nesta transição da mistura para o caso puro. Sem a sua intervenção eficaz, nunca se obteria uma nova função.

[Original] So far we have only coupled one apparatus with one object. But a coupling, even with a measuring device, is not yet a measurement. A measurement is achieved only when the position of the pointer has been observed. It is precisely this increase of knowledge, acquired by observation, that gives the observer the right to choose among the different components of the mixture predicted by theory, to reject those which are not observed, and to attribute thenceforth to the object a new wave function, that of the pure case which he has found.
We note the essential role played by the consciousness of the observer in this transition from the mixture to the pure case. Without his effective intervention, one would never obtain a new function.

The Theory of Observation in Quantum Mechanics, Fritz London and Edmond Bauer, in Wheeler and Zurek, p.251


[Versão] Quando a provinciana teoria da física foi ampliada para abranger fenômenos microscópicos, através da criação da mecânica quântica, o conceito de consciência veio à tona novamente: não era possível formular as leis da mecânica quântica de forma totalmente consistente, sem referência ao Todo consciente que a mecânica quântica se propõe a oferecer como conexões de probabilidade entre as impressões subsequentes (também chamados de "apercepções") da consciência, e mesmo que a linha divisória entre o observador, cuja consciência está sendo afetada, e o objeto físico observado possa ser deslocado para um ou outro grau considerável [cf., von Neumann ] não pode ser eliminada. Pode ser prematuro acreditar que a atual filosofia da mecânica quântica continuará a ser uma característica permanente de futuras teorias físicas; ela permanecerá notável, de qualquer maneira que nossos conceitos futuros possam ser desenvolvidos, dado que o muito estudo do mundo externo levou à conclusão de que o conteúdo da consciência é uma realidade definitiva.

[Original] When the province of physical theory was extended to encompass microscopic phenomena, through the creation of quantum mechanics, the concept of consciousness came to the fore again: it was not possible to formulate the laws of quantum mechanics in a fully consistent way without reference to the consciousness All that quantum mechanics purports to provide are probability connections between subsequent impressions (also called "apperceptions") of the consciousness, and even though the dividing line between the observer, whose consciousness is being affected, and the observed physical object can be shifted towards the one or the other to a considerable degree [cf., von Neumann] it cannot be eliminated. It may be premature to believe that the present philosophy of quantum mechanics will remain a permanent feature of future physical theories; it will remain remarkable, in whatever way our future concepts may develop, that the very study of the external world led to the conclusion that the content of the consciousness is an ultimate reality.

Remarks on the Mind-Body Question, Eugene Wigner, in Wheeler and Zurek, p.169


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[1] Conceitos da Física Quântica, Osvaldo Pessoa Jr, volume 2, Editora Livraria da Física.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Redução de Estado e Consciência


Se você não quiser acompanhar a construção da ideia aqui apresentada e preferir conhecer apenas a conclusão, pode seguir para os dois últimos parágrafos deste texto (CONCLUSÃO).

Para entender minha exposição, é necessário que você tenha certa familiaridade com determinados conceitos: interpretações da mecânica quântica (o professor Osvaldo Pessoa Jr afirma já ter contado cerca de 50 diferentes interpretações e acredita que exista mais de 100). Sobre este assunto, em outro texto que escrevi neste blog, indispensável para entender em detalhes este artigo, faço um resumo de algumas destas interpretações em relação ao problema da medição e exemplifico utilizando uma experiência já descrita também no blog. As que constam naquele meu artigo são as que tive acesso e, também, as que percebo como mais difundidas na comunidade científica especializada.

Naquele texto, note que nas Interpretações Corpuscular Realista, Dualista Realista, da Complementaridade e na Ondulatória Realista, em duas de suas variações (Transacional de Cramer e Localizações Espontâneas), é proposto como mecanismo de redução de estado, colapso da função de onda, direta e exclusivamente, a interação dos aparelhos de medição com a partícula (fóton, elétron, etc. - elemento cujo comportamento é investigado pelo experimento). Naquele texto, no último parágrafo de cada uma das interpretações (e variações), exemplifiquei o processo utilizando o experimento da escolha retardada.

De posse destas informações, é muito importante reler o experimento da escolha retardada (EER) e a variação do mesmo em que se utiliza de um apagador quântico (EER-AQ).

Abaixo, reproduzo aqui a figura 7.5 do livro O Tecido do Cosmo. O Espaço, o tempo e a textura da realidade, de Brian Greene, editora Companhia das Letras, a qual ilustra o trecho que reproduzi em artigo neste blog (EER e EER-AQ).



Desta última formulação da experiência citada, EER-AQ, você deve prestar especialmente atenção em um fato: considerando o caso da figura (b), EER-AQ, em que os fótons-complementares foram enviados para o labirinto, o padrão de interferência é verificado (para o subconjunto de fótons-sinais cujos pares fótons-complementares atingirem os detectores 2 ou 3).

Na EER, se os conversores-descendentes (aparelhos etiquetados com as letras “L” e “R”) estão ligados, há a redução de estado: a interferência é destruída completamente.

Da experiência EER-AQ, considerando as interpretações Corpuscular Realista, Dualista Realista, da Complementaridade e na Ondulatória Realista, em duas de suas variações (Transacional de Cramer e Localizações Espontâneas), como há uma efetiva ação de um equipamento clássico (conversor-descendente), o qual em parte é um detector, sobre o fóton original (disparado pela fonte), para todas as interpretações citadas, segundo o que é descrito no artigo que explica como uma medição provoca a redução de estado (de forma realista ou positivista), o padrão de interferência deveria ser completamente destruído, mesmo para as partículas que chegarem nos detectores 2 e 3.

Se há uma detecção de cada fóton original por meio de objetos clássicos (pelos conversores-descendentes “L” ou “R”, que também são emissores de fótons), cada uma daquelas interpretações preconiza que ocorre a redução de estado (colapso da função de onda).

Na experiência EER, isso ocorre, pois somente um dos conversores-descendentes emite o equivalente fóton-sinal e fóton-complementar. Os detectores propriamente ditos funcionam como sensores de impacto e amplificadores [2] do fóton detectado para a percepção do pesquisador. 

Contudo, na experiência EER-AQ, não há o colapso em relação à detecção feita pelos conversores-descendentes, pois o padrão de interferência existente indica um comportamento ondulatório, como pode ser conferido no texto apontado: é isto que ocorre na experiência descrita por Brian Greene.

Assim, pode-se dizer que as explicações dadas pelas citadas interpretações não são capazes de descrever o que se verifica na experiência, EER-AQ, analisada, ou seja, aquelas interpretações descrevem comportamentos físicos que são refutados experimentalmente.

Uma possível saída para justificar aquelas interpretações que alguém poderia formular é propor que, no caso do experimento EER-AQ, os conversores-descendentes “L” ou “R” (objetos clássicos) entrariam em sobreposição: seriam descritos por meio de uma função de onda, com múltiplos estados possíveis (como o próprio fóton original). Justificando desta forma, só haveria a redução por ocasião da efetiva medição do fóton-complementar pelos detectores enumerados de 1 a 4 (inclusive 2 e 3, em análise inicial). Mas qual seria a justificativa para não haver sobreposição de estados para os medidores 1 e 4? E no caso EER, não deveria ficar tudo em superposição de estados? Onde e como se encerraria tal sequência de superposição? A saída aqui é admitir que não há isolamento absoluto (considere, por exemplo, o chão onde as bases dos conversores e detectores se apoiam) o que levaria a uma superposição de estados extensível, em última análise, a todo o universo (hipótese dos Muitos Mundos).

Assim, das hipóteses interpretativas abordadas neste blog, sobra somente uma com duas explicações possíveis: a interpretação ondulatória em que há colapso da função e onda devido à existência da possibilidade de um observador interpretar o resultado da medição feita na experiência e a interpretação ondulatória vista segundo a proposição de Hugh Everett, dos estados relativos (ou Muitos Mundos), em que todo o universo pode ser descrito por uma função de onda (inclusive o observador e seus estados de consciência) e ele se desdobra a cada medição que leva a diversidade de possibilidades. 

Todavia, Everett propõe algo que se choca com o suposto por vários teóricos, que pode ser sintetizado nas palavras de Osvaldo Pessoa Jr, analisando o experimento-de-pensamento conhecido como O Gato de Schrödinger, quando o mesmo cita [1]: “... nossa noção intuitiva de um objeto clássico é que ele não existe em tais superposições e que seu estado macroscópico não é afetado pelo ato de observação.”, ou, ainda por A. O. Caldeira [3] “...há o chamado efeito de decoerência. Esse efeito só recentemente começou a ser estudado e trata do fato de não podermos separar perfeitamente um corpo macroscópico do meio onde ele se encontra. Assim, o meio terá uma influência decisiva na dinâmica do sistema, fazendo com que as condições necessárias para a manutenção dos efeitos quânticos desapareçam em uma escala de tempo extremamente curta. Na prática, essa destruição dos efeitos quânticos surge quando uma sobreposição de alternativas se transforma em simples mistura de alternativas.”.

Mas, ignoremos estas afirmativas e analisemos a experiência que exploramos aqui supondo a superposição de uma função de onda universal. 

Primeiro, vamos considerar a experiência EER em que os conversores-descendentes estão ligados. Como o experimento está preparado para um comportamento corpuscular (considerando que o circuito percorrido pelo fóton é suficientemente pequeno), o evento crucial é o acionamento, e consequente interação com o fóton original, dos conversores: uma vez que os mesmos estão ativos e são excitados pelo fóton original, a realidade se desdobra, por ocasião da ação mútua desse fóton com o sensor do conversor-descendente (objeto clássico), e se tem que um dos observadores resultantes nas realidades desdobradas vem um fóton ser detectado pelo aparelho da direita e seu “gêmeo” observa o resultado complementar. 

Ampliando, sugiro uma análise secundária na experiência EER: imagine que os conversores-descendentes estivessem em um trecho tão longo que pudessem ser removidos ou colocados após a emissão do fóton sinal, mas antes que algo viajando a velocidade da luz chegasse a suas posições. Sem os conversores-descendentes, haveria um padrão de interferência; com eles (ativados), um padrão corpuscular. Logo, assumindo que não há uma função de onda que viaje para o passado, a realidade desdobraria no exato momento em que o fóton sinal atinge a posição dos conversores-descendentes, pois, se o universo de desdobrasse antes e o equipamento fosse removido, teríamos uma duplicata do universo. Essa análise indica que a presença ou ausência dos conversores-descendentes ligados é que define, respectivamente, se haverá o comportamento corpuscular ou ondulatório (interferência).

Dito isto, voltemos à concepção mais convencional (se é que se pode dizer algo assim em se tratando de mecânica quântica) e observe novamente a figura que descreve a experiência abordada no início desta análise. Dada as condições físicas da EER-AQ até o acionamento dos conversores-descendentes pelo fóton original, a coerência com a física verificada na EER requer uma análise idêntica, ou seja, o desdobramento da realidade se as mesmas condições ocorrem. Consideremos, assim, que é exatamente o que ocorre. Como se desdobra cada um desses universos filhos? Nos dois universos resultantes, cada gêmeo-observador verificaria um comportamento corpuscular, pois o fóton-complementar de cada realidade seguiria por um, e somente um, caminho (sendo estes caminhos indicados pelas letras B e C). Isto posto, pelo funcionamento dos conversores-descendentes, caso a realidade desdobrada implique em um fóton-complementar se movimentando no trajeto B, então se tem seu par, um fóton-sinal, no trajeto que inicia no conversor-descendente “L”, representado a direita no desenho, e conduz à tela detectora (primeiro plano do desenho, mais “próxima “ ao leitor). Em consequência e de forma análoga, no universo “irmão”, tem-se um fóton-complementar no caminho C e um fóton-sinal no trajeto a esquerda da tela (iniciado no conversor-descendente “R”). Desta análise, conclui-se que não haveria a possibilidade de um padrão ondulatório de interferência, visto que tal padrão implica em aproximações simultâneas por ambos os trajetos que conduzem a tela detectora. 
Assim, conclui-se experimentalmente que esta opção da interpretação ondulatória (Muitos Mundos) é também rechaçada diante dos resultados verificados.

Para uma ampliação desta constatação, façamos um exercício intelectual e consideremos que a relação de causa e afeito não guardam, obrigatoriamente, sucessão temporal convencional. Neste caso, um evento em um tempo t1 (presente) pode definir, ao menos em nível de detalhes, os eventos no tempo t0 (passado: t1 é maior que t0). Até aqui, considero que, de fato, esse é o comportamento básico da natureza. Vamos à parte que não concordo, mas formulo para uma análise mais abrangente. Consideremos, ainda, que há (pelo menos) uma função de onda que volta no tempo, “indicando” que o conversor-descendente, o qual também tem função de detecção, ou o detector propriamente dito, está no caminho do fóton original, fóton-sinal ou fóton-complementar. Neste caso, deve-se considerar o exemplo como um todo: quando a configuração é para detectar um comportamento corpuscular, há o desdobramento; caso contrário, a realidade permanece inalterada [4]. Nesta análise, verifica-se a sobreposição entre os estados gerados pelos 2 caminhos clássicos possíveis ao fóton original multiplicados pela dupla de possibilidade, para cada percurso, de itinerários ao fóton-complementar: são, portanto, 4 possíveis estados. Com isto, segundo o verificado na experiência, confere-se o atributo de definição do desdobramento da realidade apenas quando os detectores 1 e 4 são disparados, a fim de se manter a coerência com as suposições apresentadas. Naturalmente, um questionamento surge: o que há de especial, em termos físicos, na interação ocorrida entre os fótons-complementares com os citados detectores que difere do mesmo tipo de medição quando efetivadas pelos detectores 2 e 3? Se alguém postular que há algo fisicamente diferente, isso não pode ser verificado isolando-se os acontecimentos imediatamente antes, após e durante ao tempo exato de chegada do fóton-complementar a quaisquer detectores, pois isso ocorre de forma idêntica para os 4 aparelhos (pode-se, inclusive, trocar os equipamentos de posição). A conclusão forçosa é que quando a detecção ocorre no par de sensores 1 e 4, é possível uma distinção de informação que não é apresentado no caso de detecção no par de medidores 2 e 3.

Note que, em resumo, pode-se verificar que não há qualquer ação sobre o fóton original ou sobre os fótons sinais, uma vez que a detecção é feita em relação aos fótons-complementares. Nem o apelo ao emaranhamento quântico [5] resolve o problema, pois, por exemplo, a medição de um fóton-complementar no detector 1 deveria provocar a redução no outro “bloco” quântico, o que levaria a detecção de um segundo fóton-complementar (?) no detector 4 (ou vice-versa). O ponto de interrogação denota que, neste caso (esdrúxulo), percorreu-se ambos os caminhos, o que implicaria, em teoria, sempre em um padrão de interferência. Obviamente, isso está em choque com o verificado na experiência.

CONCLUSÃO

Do exposto, verifica-se que as interpretações que consideram exclusivamente uma ação física dos componentes que compõem o experimento da escolha retardada (espelho, conversores, detectores, etc.) que se utiliza de um apagador quântico não conseguem elucidar coerentemente o que é observado na citada experiência. Em síntese, essa afirmativa pode ser feita devido à diferença crucial nas variações mensuráveis verificadas da EER que abordamos: as ações físicas sobre os fótons originais são idênticas, porém, as informações disponíveis para medição, no caso da EER-AQ, são indisponibilizadas de forma irremediável. Ou seja, fica evidenciado que a diferença é exclusiva quanto as informações acessíveis ao pesquisador. Conclui-se, daí, que é necessário um aspecto cognitivo capaz de processar as informações disponibilizadas como condição necessária a redução de estado. Ou seja, a redução de estado é condicionada a:
- preparo físico da experiência sob domínio de estudo da mecânica quântica; e
- a disponibilização irremediável, em relação ao experimento citado, de informações que permita diferenciar efetivamente, a nível cognitivo, um comportamento de outro.

Tais condições são necessárias e suficientes à redução de estado (colapso da função de onda) e respondem ao problema da medição no quesito “caracterização” [6].

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[1] Conceitos da Física Quântica, Osvaldo Pessoa Jr, volumes 1 e 2, Editora Livraria da Física.

[2] Amplificação, assim como a divisão do feixe, são fatores descartáveis quando se estuda a causa da redução de estado (ver [1]).

[3] A. O. Caldeira, O Que é Mecânica Quântica; Revista USP, nª 66, Ago 2005.

[4] O leitor mais atento deve ter notado que essa interpretação pode ser entendida como um amalgama de: muitos mundos, transacional de Cramer e complementar.

[5] Grosso modo, o emaranhamento significa que duas partículas, ou dois conjuntos de partículas, têm suas propriedades coligadas por efeito não local, ou seja, a medição de uma provoca redução em ambas.

[6] Em uma consideração preliminar, às conclusões aqui descritas poderão ser confirmadas, talvez com maior reforço, em análise de experimentos de resultado nulo (ao menos parte destes), o qual poderá ser objeto de outro texto neste blog.

domingo, 25 de novembro de 2012

O que ocorre em uma medição, segundo as interpretações da mecânica quântica.

Uma abordagem primária deste tema foi feita, de forma simplista, no meu texto O Enigma da Medição na Mecânica Quântica, neste blog. No presente artigo, pretendo fazer uma abordagem mais abrangente, mas resumida, sobretudo à luz explanações de textos do professor Osvaldo Pessoa Jr.
Uma apresentação mais completa (sobre física quântica) pode ser encontrada em [1] ou artigos do mesmo autor na Internet (link). 
A abordagem resumida deste texto, indicada no primeiro parágrafo, se dá devido ao foco ser como interpretações da mecânica quântica explicam a mudança do quântico para o clássico em determinados eventos: de uma descrição feita pela equação de Schrodinger (em que há uma multiplicidade de estados fisicamente viáveis, ou seja, um conjunto de possibilidades exequíveis, uma onda de possibilidades) para o que é efetivamente medido (apenas uma das possibilidades é verificada, um comportamento corpuscular) – conhecido como redução de estado ou colapso da função de onda (de forma realista ou positivista). Além disso, e descrito como algumas das interpretações descrevem essa “propriedade” na medição da experiência da escolha retardada.

(Figura extraída do livro O Tecido do Cosmo:. O espaço, o tempo e a textura da realidade, de Brian Greene, editora Companhia das Letras)

                a) Colapso da Função de Onda: Wener K Heisenberg explica que “cada determinação de posição reduz o pacote de onda de volta a sua extensão original”. A onda de probabilidade, assumida nesta interpretação como a descrição de algo físico, expande-se até o momento em que uma medição é feita. Daí, nas imediações de onde foi detectada a partícula, a onda se concentra, “exibindo” o potencial de 100% nestas mesmas imediações, enquanto em todas as outras posições, instantaneamente, o restante da onda probabilística tem seu valor reduzido à zero. Esta noção de “instantaneamente” é uma propriedade denominada por não localidade, um efeito não local em que, não interessa a distância de dada parte da frente de onda em relação à posição em que a partícula foi medida: fora da posição medida, a onda assume potencial nulo.
                Paul Dirac (em 1928) afirma: “Pode-se dizer que a natureza escolhe aquele dentre os estados que convém (...) A escolha, uma vez feita, é irrevogável e afetará todo o estado futuro do mundo”. Heisenberg critica a interpretação de que a natureza faz a escolha nos seguintes termos: “Eu diria, preferencialmente, conforme fiz em meu último artigo, que o próprio observador faz a escolha, pois é só no momento em que a observação é feita que a ‘escolha’ se torna uma realidade física  e que a relação das fases nas ondas, o poder de interferência, é destruída.”.
                Assim sendo, por exemplo, no caso da experiência da escolha retardada, o fato de colocar e ligar um detector (ver figura 7.2) nas possíveis trajetórias do fóton (ou elétron) permite o observador saber por qual caminho passa esta partícula, e, neste momento, ocorre à redução de estado e a medição é concluída. Numa análise mais abrangente, ao se ligar o detector, pode-se dizer que o cientista prepara o experimento de acordo com um comportamento esperado condizente com uma partícula clássica. Caso o detector não esteja ligado, o experimento está preparado para verificar um comportamento de onda.
                b) Muitos Mundos: a interpretação dos estados relativos de Everett (1957), ou muitos mundos, postula que todo o universo pode ser descrito por uma função e onda. Assim, no momento de uma dada medição, há um desdobramento do universo, de forma que cada observador (o pesquisador se desdobra junto com o universo, obviamente), que estará presente nessas “realidades”, registra em sua memória apenas um dos resultados possíveis (os estados mentais, as informações na consciência do observador, também estão em sobreposição, também exibem um conjunto de estados possíveis segundo a observação a ser feita). Como não há troca de informação entre os “mundos”, o observador fica com a impressão de que somente o resultado que ele presenciou se tornou uma realidade.
            Retomando o caso da experiência da escolha retardada, o fato de colocar e ligar um detector (ver figura 7.2) faz com que o universo “bifurque” em duas realidades, quebrando a sobreposição dos dois caminhos possíveis. Em uma delas, o detector é acionado, indicando que a partícula passou pelo mesmo. Na outra, o detector não emite qualquer sinal, indicando que a partícula passou pelo outro caminho. 
                c) Transacional de Cramer (1986): essa variação de interpretação é mais trabalhosa de se expor. Mas, resumidamente, pode-se dizer que há múltiplas emissões de ondas, tanto da parte que consideramos fonte em um experimento quanto do sensor com o qual a partícula venha a se chocar. Essas ondas são emitidas nos sentidos contrário e convencional do tempo (passado e futuro). Há uma série de cancelamentos das ondas de forma que só observamos aquela que vai da fonte até o detector. Essa série de emissões e interações é denominada de transações. Um aspecto “negativo” é a previsão de ondas vazias, ou ondas de energia zero.
Analisando o caso da experiência da escolha retardada, o detector ligado (ver figura 7.2)  ou parte do sensor neste, “troca” ondas com a fonte (transações), e ocorre o cancelamento de estados não observados.

d) Localizações Espontâneas:  neste caso, tudo ocorre muito parecido com a explicação dada no item a), menos no que concerne ao observador. A redução, neste caso, não se origina pela consciência do observador, mas, segundo o professor Osvaldo Pessoa Jr “é uma redução sem causa, uma redução espontânea, uma instabilidade intrínseca à natureza.”. Cada partícula teria uma probabilidade não nula, mas muitíssimo pequena, de entrar em colapso quando “livre”. Todavia, quando ocorrem interações, tal possibilidade de redução alcança valores extremamente elevados.
No caso da experiência da escolha retardada, o detector ligado (ver figura 7.2) implica numa ação sobre a onda em deslocamento que leva ao colapso espontâneo (a probabilidade de redução sobe sobremaneira).

2. Interpretação Corpuscular Realista: assume-se aqui que a medição é fidedigna, revelando a posição da partícula. Não há onda neste caso. Na medição, não há mudança de qualquer propriedade: a chamada redução de estado traduz um conhecimento mais preciso que o observador passa a ter sobre a partícula. Há muita dificuldade desta interpretação na explicação do comportamento ondulatório. Uma forma mais elaborada desta interpretação é conhecida como interpretação dos coletivos estatísticos
Todavia, Osvaldo Pessoa Jr alerta: “... o processo de medição não meramente seleciona um ‘sub-coletivo do coletivo inicial’, mas, ao fazer essa seleção, transforma as propriedades dos átomos [nota: partículas, como fótons e elétrons também, caberiam nesta descrição] do sub-coletivo (que a interpretação postula existir inicialmente), compondo assim um novo coletivo com propriedades não contidas no sub-coletivo inicial (devido, poderíamos dizer, a um distúrbio provocado pelo aparelho no objeto quântico ...).”.
Essa interpretação, como já mencionado, tem dificuldades na interpretação de fenômenos ondulatórios. Para a experiência da escolha retardada (ver figura 7.2)  a dificuldade de explicação aumenta em relação à descrição da quebra de interferência. Osvaldo Pessoa Jr explana: “Esta visão já tem dificuldades em explicar a interferência para um elétron ou fóton único, quanto mais para explicar o presente problema! Os detectores simplesmente revelam as posições pré-existentes das partículas. Mas por que a interferência desaparece?” Note que quando o detector está ligado, mesmo que a partícula vá pelo caminho em que não há detector, há alteração no “fenômeno” do movimento do fóton, pois não é apresentado o padrão de interferência.

3. Interpretação Dualista Realista: a medição é vista como mera detecção da partícula que é conduzida pela onda piloto. Novamente, explica Osvaldo Pessoa Jr “David Bohm ressalva que o ‘potencial quântico’, que corresponde às ondas em seu modelo dualista, sofre ‘flutuações violentas e extremamente complicadas’ durante a interação do objeto quântico com o aparelho de medição, afetando o momento da partícula e consequentemente sua posição final.”.
No experimento da escolha retardada (ver figura 7.2)  uma possível elucidação é que, uma vez que a onda guia segue por ambos os caminhos, o detector ligado provoca um distúrbio imprevisível, dependente do medidor, na onda piloto (na “parte” desta) que caminha pela trajetória coberta pelo detector. Daí, quando os dois ramos da onda (que seguiu por ambos os trajetos) se encontram novamente, cada parte se comportando como uma onda distinta (devido à perturbação em um dos “ramos”) e, em consequência, pode haver todo tipo de interferência. O padrão de interferência aleatório para cada detector resulta, em média, em 50% de possibilidade para cada detector medir uma partícula. Assim sendo, é a ação do  detector que provoca a perda de coerência (sobreposição de estados que possibilita exibir o padrão de interferência).

4. Interpretação da Complementaridade: o aparelho de medição causa um distúrbio incontrolável sobre o objeto quântico, ocasionando uma redução brusca e imprevisível do estado quântico durante a medição propriamente dita. Assim, pode-se dizer que quando há tal distúrbio, o fenômeno é corpuscular. Não havendo o mesmo, o fenômeno é ondulatório.
Em consequência, na experiência da escolha retardada (ver figura 7.2) o detector, uma vez ligado, interage com a partícula, seja em que caminho for, e isso provoca a redução. Assim, tem-se um fenômeno corpuscular (detector ligado).

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[1]  Conceitos da Física Quântica, Osvaldo Pessoa Jr, volumes 1 e 2, Editora Livraria da Física.

domingo, 18 de novembro de 2012

Realismo e Positivismo - Segunda parte


Texto apresentado no capítulo XIV do livro Conceitos de Física Quântica, volume I, escrito por Osvaldo Pessoa Jr, Livraria da Física.
Uma síntese, feita pelo mesmo autor, pode ser lida na página deste link.

PARTE 2 (leia a PARTE 1)


O Realismo Científico

Agora nos concentraremos na interpretação realista de uma teoria física, que inclui três afirmações básicas: 1) Realismo ontológico: existe uma realidade física que independe do conhecimento e da percepção humana. 2) Realismo científico: As proposições de uma teoria têm “valor de verdade”, isto é, são ou verdadeiras ou falsas, de acordo com a teoria da verdade por correspondência. Assim, uma teoria física serve para “explicar” fenômenos em termos da realidade física subjacente, e não apenas para prevê-los. 3) Realidade dos termos teóricos: a teoria pode conter “termos teóricos” que se referem a entidades físicas que não são diretamente observadas.

Além dessas características, costuma-se adicionar mais três afirmações para uma interpretação realista [99]: 4) Realismo metodológico: atingir a verdade é a meta principal da ciência. 5) Realismo convergente (K. Popper): as teorias físicas se aproximam cada vez mais da verdade, sem talvez nunca atingi-la de maneira completa. 6) Inferência para a melhor explicação: a melhor explicação para o sucesso prático da ciência é a suposição de que as teorias científicas são de fato aproximadamente verdadeiras.
A negação de uma ou outra das teses expostas acima constitui formas de antirrealismo, no contexto de teorias científicas. O relativismo nega que existam verdades únicas a serem descobertas pela ciência (anarquismo epistemológico de P. Feyerabend), sendo tudo fruto de uma negociação no âmbito das comunidades científicas (T. Kuhn, nova sociologia da ciência). Esta concepção está por trás da “verdade pragmática” que se opõe à verdade por correspondência. [100]
Uma negação do realismo científico é também feita pelo instrumentalismo, que pode ser “forte” ou “fraco”. O instrumentalismo forte nega que as teorias científicas tenham valores de verdade, e que elas expliquem uma realidade subjacente aos dados experimentais. Teorias seriam meramente esquemas linguísticos que permitem fazer previsões sobre observações, e que organizam estas de maneira econômica.

Já um instrumentalismo fraco não nega que sentenças teóricas (relativas a entidades não observáveis) tenham valores de verdade, mas nega que isto tenha qualquer importância na ciência (negando a tese 4). O que seria importante seria a solução de problemas (L. Laudan) ou a adequação empírica (B. van Fraassen).

A negação da tese 3 recai no descritivismo, que está associada ao positivismo [100a]. Uma maneira de negar o realismo convergente (tese 5) é o convencionalismo, defendido na passagem do século por H. Poincaré, segundo o qual a forma particular da teoria adotada tem diversos elementos convencionais, já que outras teorias empiricamente equivalentes são possíveis. 


Antirrealismo na Física Quântica
O antirrealismo que está associado à Mecânica Quântica envolve pelo menos três níveis epistemológicos: i) no nível de teoria científica, o instrumentalismo afirma que a Mecânica Quântica não passa de um instrumento para fazer previsões experimentais; ii) no nível da essência do conhecimento, o idealismo afirma que a consciência humana tem um papel importante na determinação do estado do objeto; iii) no nível do significado ou da origem do conhecimento, o positivismo nega que faça sentido afirmar a existência de entidades não observáveis ou afirmar proposições não verificáveis.

Na discussão sobre realismo científico, tem-se declarado que “o realismo morreu, quem o matou foi a Física Quântica” (A. Fine, 1982). Não examinaremos em detalhes, aqui, a viabilidade das interpretações realistas da Mecânica Quântica, mas queremos apenas sublinhar que quem morreu nos anos 70 não foi o realismo em geral, mas um certo tipo que chamaremos de realismo classicista, a tese de que a realidade tem uma estrutura próxima às nossas concepções e intuições clássicas a respeito do mundo.

Relembremos três capítulos do antirrealismo na história da física quântica.

(I)  O primeiro capítulo está associado à noção de complementaridade: “uma realidade independente no sentido físico ordinário não pode ser atribuída nem aos fenômenos, nem aos agentes da observação” (Bohr, 1928). Defendia-se que a teoria só trata do observável: uma realidade não observada pode até existir mas ela não é descritível pela linguagem humana. A posição de Bohr modificou-se em 1935, e há uma controvérsia sobre o grau de positivismo ou instrumentalismo da visão de Bohr [101]. Mas mesmo após esta época manteve-se o chamado “relacionismo”, segundo o qual a realidade observada é fruto da relação entre sujeito e objeto, sendo dependente das escolhas ou vontade do observador (“voluntarismo” de von Weizsäcker).

(II)   O segundo capítulo é uma forma de idealismo subjetivista associada a uma consciência legisladora. Ela surge da tese de que o colapso associado a medições só é causado pela observação humana: “a transformação irreversível no estado do objeto medido” seria devida à “faculdade de introspecção” ou ao “conhecimento imanente” que o observador consciente tem de seu próprio estado (London & Bauer, 1939). Filósofos adoram explorar os paradoxos trazidos por esta posição, como no exemplo do gato de Schrödinger, mas o consenso parece ser que tal posição radical é desnecessária (apesar de consistente). A interpretação dos estados relativos de Everett resolve problemas semelhantes sem atribuir um papel legislador à consciência, mas supondo que esta possa entrar em superposições quânticas.

(III) O terceiro capítulo do antirrealismo está associado ao trabalho de John S. Bell, que mostrou que qualquer teoria realista que satisfaça a propriedade de localidade (salvo algumas exceções) é inconsistente com a Teoria Quântica. Quem morreu com este resultado não foram as teorias realistas não locais (como a de David Bonm), mas sim boa parte do realismo local, uma variedade de realismo classicista que defende que, na realidade, os sinais sempre se propagam com uma velocidade menor ou igual à da luz.

Alguns outros exemplos de suposições classicistas que são violadas por alguma interpretação da Teoria Quântica (além da localidade) são: determinismo, corpuscularismo (a matéria é composta de partículas), a tese de que o mundo existe em quatro dimensões, de que eventos presentes não afetam o passado, de que emissões de partículas ocorrem em instantes bem determinados, etc. Apesar do classicismo estar em geral associado ao realismo, notamos que o classicismo pode ser em boa parte adotado por abordagens positivistas, como é o caso da interpretação da complementaridade de Niels Bohr.


OBS: leia a PARTE 1.





[99] Ver  NIINILUOTO, op. cit. (NOTA 97), P. 467. Ver também MURDOCH (1987), op. cit. (nota 86), pp. 200-7. Para mais sobre o realismo, consultar: LEPLIN, J. (org.) (1984), Scientific Realism, U. Of California Press, Berkeley; TOULMIN, S. (org.) (1970), Physical Reality, Harper & Row, Nova Iorque.

[100] Para uma excelente introdução à problemática da verdade, ver HAACK, S. (1998), Filosofias das Lógicas, Ed. Unesp, São Paulo, cap. 7; original: Philosophy of Logics, Cambridge U. Press, 1978. Em português, ver também: DA COSTA, N.C.A. (1997), O Conhecimento Científico, Discurso Editorial, São Paulo, cap. III.

[100a] Uma distinção clássica entre realismo, descritivismo e instrumentalismo é a de NAGEL, E. (1961), The Structure of Science, Harcourt, Nova Iorque, cap 6.

[101] Dentre os que enfatizaram o realismo de Bohr estão Hooker (1972), Folse (1985), Honner (1987) e Murdoch (1987). Dentre os que enfatizam seu não realismo, encontramos Fine (1986), Krips (1987) e Faye (1991). Estas referências, uma introdução ao problema, e vários artigos sobre Bohr podem ser encontrados em: FAYE, J. & FOLSE, H.J. (orgs) (1994): Niels Bohr and Contemporary Philosophy, (Boston Studies in the Philosophy of Science 153), Kluwer, Dordrecht (Holanda).

Realismo e Positivismo


Texto apresentado no capítulo XIV do livro Conceitos de Física Quântica, volume I, escrito por Osvaldo Pessoa Jr, Livraria da Física.
Uma síntese, feita pelo mesmo autor, pode ser lida na página destino deste link.

PARTE 1

Realismo em Geral

Você é um realista? Distingamos primeiramente um sentido “ontológico” (relativo às essências das coisas, ao “ser” das coisas) e um sentido “epistemológico” (relativo ao conhecimento). O realismo ontológico é a tese de que existe uma realidade lá fora que é independente de nossa mente (ou de qualquer mente), de nossa observação. A negação desta tese é chamada de idealismo, que pode assumir várias formas, conforme veremos. O realismo epistemológico afirma que é possível conhecer esta realidade, ou seja, que nossa teoria científica também se aplica para a realidade não observada. [94] Exploraremos inicialmente essas teses no nível do conhecimento individual, para depois analisarmos a forma que o realismo epistemológico assume quando consideramos o conhecimento científico – o chamado de realismo científico.

Para começar, devemos salientar que o termo “realismo” tem mudado de significado ao longo da história. Na filosofia medieval, o realismo era a tese de que os universais (“a árvore”, “a cadeira”, “o homem”) existem antes das coisas particulares, tese esta  que estava associada à filosofia de Platão. A esta posição se opunha o nominalismo, segundo o qual os universais são meros nomes, e a realidade só se refere ao particular do mundo físico atual (Guilherme de Occam, século XIV).

No século XIX o termo “realismo” surgiu principalmente nas artes como reação ao romantismo. Este último apresentava uma atitude holística, orgânica, intuitiva, idealizadora, que em ciência influenciou a Naturphilosophie (início do século: Goethe, Schelling, Oersted). A reação realista nas artes realçava o cotidiano e o social, tendendo a ser politicamente mais progressista.

Na ciência, o realismo estava associado ao mecanicismo e ao atomismo, com uma valorização da quantificação e do método hipotético-dedutivo [95]. Ele se contrapunha ao positivismo, originado com A. Comte e defendido por E. Mach e energeticistas como W. Ostwald. Para o positivismo, qualquer especulação sobre mecanismos ocultos deve ser evitado. Só tem sentido tecer afirmações sobre o que é observável, verificável. Uma sentença “sem sentido” é aquela para a qual não há um método para verificar se ela é verdadeira ou falsa. Por exemplo, a frase “a realidade física existiria mesmo que não existisse nenhum observador” seria sem sentido. Para o realista, porém, tal frase não só tem sentido como é verdadeira.

No século XX, a questão de como fundamentar o uso da matemática na ciência levou ao “positivismo lógico” (Viena: M. Schlick, R. Carnap) e “empirismo lógico” (Berlim: H. Reichenbach). Formas abrandadas dessas correntes tiveram bastante força até o início da década de 1960, na filosofia da ciência. Na década de 50, iniciou-se uma reação contra o positivismo lógico, centrando-se fogo especialmente no seu “empirismo”, tese de que as observações são bases seguras para construir a ciência (K. Popper, W. Quine). Por um lado, autores “relativistas” (M. Polanyi, N. R. Hanson, P. Feyerabend, T. Kuhn) atacaram a ênfase excessiva na descrição lógica da ciência, salientando que o conhecimento tem um componente intuitivo, e que ele está sujeito às circunstâncias históricas e sociais. De outro lado, a corrente do “realismo científico” (G. Maxwell, H. Putnam) foi elaborada, e tentaremos esboçá-la adiante.

Em outros campos, fora da filosofia da ciência, o “positivismo” foi também bastante atacado, tendo-se tornado até um termo depreciativo. Este sentido negativo parece ter surgido com as teorias positivistas em Ciências Humanas (inclusive na Educação), como o “behaviorismo” em Psicologia, que simplifica ao máximo a representação que se tem do ser humano, focalizando seu estudo apenas na relação entre estímulo e resposta (os dados “positivos”). [96] Tal abordagem pode ser usada para se justificar a manipulação e dominação de homens por outros homens, tendo sido bastante criticada, como por exemplo pela Escola de Frankfurt (T. Adorno, J. Habermas, etc). Salientemos então o seguinte: no presente estudo, iremos nos concentrar na discussão entre formas de realismo e antirrealismo nas Ciências Naturais, onde “positivismo” não é necessariamente um termo depreciativo.


Os Problemas do Conhecimento

Um ponto crucial para entender as diferentes formas do antirrealismo, ou o que significam os diferentes “ismos” filosóficos, é considerar o tipo de pergunta que cada um responde. Adaptaremos aqui as análises feitas pelo filósofo alemão Johannes Hessen e pelo filosofo da ciência finlandês Ilkka Niiniluoto [97].

Consideremos primeiramente o problema ontológico da existência de uma realidade independente do sujeito ou de uma mente. Já mencionamos que o realismo ontológico afirma a existência desta realidade; a negação desta tese recairia em um “idealismo ontológico”, que é mais conhecido como idealismo subjetivista. A forma mais radical desta é o “solpsismo”, segundo o qual a realidade se resume ao conteúdo do meu pensamento: a realidade seria uma espécie de sonho em minha mente. Uma forma menos radical é a doutrina do esse est percipi (Berkeley, séc. XVIII), segundo a qual só existe aquilo que é percebido por alguém. Berkeley termina por defender um idealismo objetivo, porque a realidade externa existiria enquanto atividade mental de Deus. Tal idealismo é consistente com o realismo ontológico. Vemos assim que o idealismo não surge apenas como negação do realismo ontológico. Um idealismo epistemológico [98] (que negaria o realismo epistemológico) defenderia a impossibilidade de se conhecer entidades independentes de qualquer sujeito cognoscente.

Podemos aceitar a existência de uma realidade exterior e colocar o problema epistemológico que Hessen chama de problema da “essência do conhecimento”: é o objeto que determina o sujeito (realismo), ou é o sujeito que determina o objeto do conhecimento (idealismo)? O idealismo transcendental daquele que é considerado o mais importante filósofo moderno, o alemão Immanuel Kant (séc. XVIII), adota uma posição intermediária: aceitar a existência de coisas-em-si (“número”), mas considera que a existência só tem acesso às coisas-para-nós, os “fenômenos”. Tais fenômenos, porém, seriam organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo, sendo assim em parte dependentes do sujeito (isso também é defendido pelo idealismo conceitual de N. Rescher, 1973). A causalidade, por exemplo, não existiria na realidade, mas seria uma “categoria do entendimento”, uma estrutura cognitiva sem a qual a própria compreensão do mundo seria impossível.

No outro extremo, um tipo importante de realismo é o materialismo, para o qual apenas a matéria (e energia) existe ou é real: processos mentais seriam “epifenômenos” causados por processos materiais. O marxismo, uma forma de materialismo, considera que as ações humanas são determinadas pelos aspectos econômicos.

Consideremos agora um outro problema epistemológico, que é o da “possibilidade do conhecimento”: pode o sujeito aprender o objeto, pode ele conhecer verdades a respeito do mundo? Diferentes formas de realismo afirmam que sim, enquanto que a negação desta tese se chama ceticismo. Dentre as atitudes intermediárias podemos mencionar o pragmatismo (séc. XIX: C. S. Peirce, W. James), que leva em conta apenas as consequências práticas das ideias, e que é uma forma de relativismo. O relativismo considera que nosso conhecimento e as verdades dependem do contexto psicológico e social no qual nos encontramos.

Por fim, consideremos o problema da “origem do conhecimento”: é a razão ou é a experiência a fonte e a base do conhecimento humano? O empirismo considera que a única fonte de conhecimento é a experiência. Conhecimento sobre o que existe não pode ser obtido de maneira “a priori”. Os significados das ideias seriam redutíveis aos dados da experiência (séc. XVII-XVIII: F. Bacon, J. Locke, D. Hume). O sensacionismo (em inglês: “sensationalism”) ou “empirismo radical” enfatiza que as ideias são redutíveis às sensações (sense data), e no final do séc. XIX esta posição foi defendida pelo “empirio-criticismo” de Ernst Mach. A posição de Mach também é considerada uma forma de idealismo subjetivista, devido à tese de que “o mundo consiste apenas de sensações”. Uma forma mais pragmática de empirismo é o fisicalismo, para o qual os termos descritivos da linguagem se referem a objetos físicos (não sensações) e suas propriedades, e são definidos “operacionalmente”. Para o operacionismo (década de 1920: P. Bridgman), todo conceito científico é sinônimo do conjunto de operações físicas associados ao processo de medi-lo.

O ponto de vista oposto ao empirismo é o racionalismo (ou melhor, intelectualismo), que defende que o critério de verdade não é sensorial mas intelectual e dedutivo (R. Descartes, séc. XVII). Verdades básicas são evidentes para a razão, e outras verdades são dedutíveis destas. A posição de Kant pode ser considerada intermediária entre o empirismo e o racionalismo.

Para finalizar, salientemos que o positivismo não envolve uma tese única, mas consiste de quatro afirmações principais [98a]: (i) Descritivismo: só faz sentido atribuir realidade ao que for possível descrever, observar. (ii) Demarcação: teses científicas são claramente distinguidas de teses metafísicas e religiosas, por se basearem em “dados positivos” (são verificáveis). (iii) Neutralidade: o conhecimento científico deve ser separado de questões de aplicação  de valores. (iv) Unidade da ciência: todas as ciências têm um método único, baseado no empirismo e na indução.



OBS: Não deixe de ler a PARTE 2 deste texto.


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[94] Na literatura mais recente de filosofia da física de língua inglesa, é costume fazer uma distinção entre “realismo de entidade”, que seria sinônimo de realismo ontológico, e “realismo de propriedade”, que atribui existência às propriedades (autovalores associados a observáveis) mesmo antes de qualquer medição.

[95] BRUSH, S. (1980): “The Chimerical Cat: Philosophy of Quantum Mechanics in Historical Perspective”, Social Studies of Science 10, 393-447.

[96] Uma história da influência do positivismo de Mach tanto na Física quanto na Psicologia é apresentada por HOLTON, G. (1993), “Ernst Mach and the Fortunes of Positivism”, in Science and Anti-Science, Harvard U. Press, Cambridge, pp. 1-55.

[97] HESSEN, J. (1999), Teoria do Conhecimento, Martins Fontes, São Paulo. Original: Erkenntnistheorie, Dümmlers, Colônia, 1926. NIINILUOTO, I. (1987). “Varieties of Realism”, in LAHTI, P. & MITTELSTAEDT, P. (orgs.), Symposium on the Foundations of Modern Physics 1987, World Scientific, Cingapura, pp459-83.

[98] MEHLBERG, H. (1980), “Philosophical Interpretations of Quantum Physics”, in Mehlberg, Time, Causality, and the Quantum Theory, vol. 2 (Boston Studies in the Philosophy of Science 19), Reidel, Dordrecht, pp. 3-74. Ver p.8.

[98a] Adaptado de OLDROYD, D. (1986), The Arch of Knowledge – An Introductory Study of the History of the Philosophy and Methodology of Science, Methuen, Londres, p. 169. Este autor se baseia em KOLAKOWSKI, L. (1968), Alienation of Reason: A History of Positivist Thought, Doubleday, Garden City (original em polonês:1966).