segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O Enigma da medição na mecânica quântica


Os experimentos da Dupla Fenda, da Escolha Retardada e suas variações demonstram, em grande parte, o quão distante do senso comum são os fenômenos sob exclusivo domínio de estudo da mecânica quântica.

Existem várias interpretações da teoria quântica. Uma interpretação é caracterizada por um conjunto concepções idealizadas que são somadas ao formalismo mínimo de uma teoria, sem que o primeiro conjunto acrescente quaisquer previsões observacionais da teoria [1].

Discussões a respeito de como interpretar a mecânica quântica surgiram tão logo esta teoria foi formulada, a partir de junho de 1925. De um lado, os alemães Werner Heisenberg (1901-1976), Max Born (1882-1970) e Pascual Jordan (1902-1980) desenvolveram a mecânica “matricial”, que utilizava matrizes para calcular as probabilidades de se obterem diferentes valores quantizados (discretos) das grandezas observáveis em experimentos atômicos. Alguns meses depois, o austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) formulou a mecânica “ondulatória”, baseada na ideia do francês Louis de Broglie (1892-1987) de que toda partícula é ao mesmo tempo onda. Schrödinger buscou interpretar seu formalismo, que em pouco tempo se mostrou ser equivalente à mecânica matricial, defendendo a hipótese de que na realidade os elétrons em um átomo formam uma onda na qual se distribui uniformemente a carga elétrica. De acordo com sua interpretação ondulatória, o mundo flui continuamente como uma onda, refletindo a função ψ(r) que aparece em sua versão da teoria.
Já de Broglie interpretava a nova mecânica quântica de maneira dualista: um elétron no átomo seria uma partícula de posição e velocidade bem definidas, a cada instante, mas também haveria uma onda associada, semelhante à concebida por Schrödinger.
As interpretações de Schrödinger e de Broglie podem ser consideradas “realistas”, pois segundo eles a teoria quântica representa a realidade de maneira definida a todo instante, mesmo quando não há ninguém fazendo observações ou medições. Isso se opõe à concepção “positivista” (também chamada “descritivista” ou “instrumentalista”), que salienta que a tarefa da ciência é descrever de maneira econômica (através de leis) aquilo que é observável, permitindo assim que se façam previsões de resultados em novos experimentos, e que não faz sentido lançar hipóteses a respeito de uma realidade não observável. Nessa época, Heisenberg e seu colega Wolfgang Pauli (1900-1958) defendiam explicitamente uma abordagem positivista, e a ideia seminal de Heisenberg, que lançou a mecânica matricial, baseava-se apenas em grandezas atômicas que eram diretamente observáveis, não a posição ou velocidade de um elétron em um átomo, mas a intensidade da luz emitida pelo átomo, sua frequência e sua polarização. Em outubro de 1927, o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), famoso por ter desenvolvido em 1914 um modelo atômico dentro da velha teoria quântica, apresentou uma interpretação bastante elaborada e consistente, de cunho positivista, que fez
frente às propostas de Schrödinger e de Broglie, e acabou se tornando a interpretação ortodoxa da mecânica quântica, obtendo as adesões de Heisenberg, Pauli, Born e da maioria dos físicos. O conceito central de sua interpretação era a “complementaridade”. [1]


O que motiva as várias interpretações? Você pode recorrer ao meu texto sobre este assunto  e ver, por meio de um exemplo, o quanto e diferente a real natureza de se usar a estatística para descrever um sorteio de loteria, ou a probabilidade de um dado fornecer determinado número, em relação ao que parte dos físicos consideram em relação aos fenômenos estudados pela mecânica quântica: a evolução do comportamento (como o deslocamento de uma partícula, por exemplo) é descrita apenas em termos probabilísticos (função de onda) e, ao se efetivar uma medição (a posição de uma partícula, por exemplo), uma observação, tem-se 100% de certeza estatística de um dos resultados previsto. Daí surge hipóteses como: a função de onda descreve uma onda física real? O que a teoria quântica dispõe é “fisicamente fechada” (a descrição é completa ou existem variáveis desconhecidas)? Os estados anteriores (as características assumidas em tempos anteriores a medição) definem completamente o que será medido? O se efetivar uma medição, acontece uma redução à zero na onda probabilística de todos os valores potencialmente considerados como resultados na medição, exceto aquele que é medido (ocorre o colapso da função de onda), ou o fenômeno ondulatório permanece com sua distribuição estatística nos moldes idênticos a fração de tempo anterior à medição?

Vale ressaltar o significado de colapso da função de onda.

De acordo com a mecânica quântica ortodoxa, quando procedemos a  uma medição e encontramos uma partícula em determinado lugar, provocamos uma medição e encontramos uma partícula em determinado lugar, provocando uma alteração na sua onda de probabilidade: a gama anterior de resultados potenciais reduz-se a um: o resultado obtido pela medição (...). Os físicos dizem que a medição provoca o colapso da onda de probabilidade e acrescentam que quanto maior for a onda de probabilidade original em determinado lugar, maios será a chance de que o colapso da onda se dê naquele ponto(...) no momento em que você encontra a partícula em um lugar, diz esse raciocino, a probabilidade de que ela possa ser encontrada em qualquer outro lugar cai imediatamente a zero, e isso é o que está refletindo no colapso da onda de probabilidade. [2]

Essa concepção leva a nos perguntarmos o que ocorre, no momento da medição, que leva ao colapso descrito. O que realmente acontece a nível subatômico? A resposta a esse enigma, se passível de comprovação experimental, pode levar a uma unificação, ou algo próximo disso, em relação às interpretações da mecânica quântica.

De forma um tanto quanto mais técnica, o físico Osvaldo Pessoa Jr comenta um importante ponto sobre o colapso da função de onda.


Se não há causa para o resultado das medições, então este deve ser um processo genuinamente aleatório, violando o princípio de razão suficiente de Leibnitz. A conclusão é que o colapso é um processo indeterminista. Notem, porém, que esta conclusão é independente da tese positivista, difundida por alguns defensores da interpretação ortodoxa a partir da década de 1920, segundo a qual o mundo quântico seria indeterminista, já que não há maneira de prever com exatidão o resultado de experimentos quânticos. [3]

Na física, diz-se que um evento é determinista quando uma medição é definida por valores das grandezas físicas que antecedem a medição (como a posição de um veículo é definida pela posição anterior e a trajetória feita – velocidade, aceleração, direções, etc). Se isso não acontece, diz-se que o evento é indeterminista. Com efeito, infere-se que há físicos que entendem que a medição de uma partícula tem o valor de sua posição (spin, quantidade de movimento, etc) assumido na medição, ou seja: os valores medidos tem uma natureza aleatória, nesta contexto.


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[1] Pessoa Jr, Osvaldo: As interpretações contemporâneas da mecânica quântica, Departamento de Filosofia, FFLCH - Universidade de São Paulo, CBPF-CS-005/08.

[2] Greene, Brian: O tecido do cosmo – O espaço, o tempo e a textura da realidade, Companhia das Letras.

[3] Pessoa Jr, Osvaldo: Conceitos e Interpretações da Mecânica Quântica: o Teorema de Bell, Departamento de Filosofia, FFLCH - Universidade de São Paulo, WECIQ 2006 - Mini-curso 1.

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