sábado, 29 de junho de 2013

Bayesiano Quântico ou QBism

Na revista Scientific American Brasil, excelente publicação, no número atualmente disponibilizado nas bancas (número 134, de julho de 2013), tem-se o artigo O Paradoxo Quântico que Confunde a sua Mente. Nas palavras do autor do artigo, Hans Christian von Baeyer, o texto trata sobre: "uma nova versão da teoria quântica afasta de vez os paradoxos bizarros do mundo microscópio. A que preço? A informação quântica só existe na sua imaginação".

Vou citar alguns trecho do artigo para deixar claro a abordagem e diferenciação do mesmo.

"Na visão quântica convencional um objeto como um elétron é representado por uma função de onda - expressão matemática que descreve suas propriedades. Para prever o comportamento do elétron é preciso calcular a evolução temporal da sua função de onda. O resultado do cálculo nada mais é que a probabilidade de o elétron ter uma determinada propriedade (como estar em um local e não outro). Mas surgem problemas quando se considera que a função de onda é real."

"Combinando as teorias quântica e probabilística, o QBism propõe que a função de onda não tem realidade objetiva. (...) o observador utiliza a função de onda para determinar sua crença pessoal de que um sistema quântico terá determinada propriedade, pressupondo que suas próprias escolhas e ações afetam o sistema".

"A noção de que a função de onda não é real remonta aos anos 30 e aos trabalhos de Niels Bohr (...) Para ele a função de onda nada mais era que uma parte do formalismo (...) QBism foi o primeiro a fornecer uma estrutura matemática às concepções de Bohr."

Simplificando, o QBism defende que a função de onda tem um caráter subjetivo: a mesma representa meramente o que conseguimos conhecer sobre um objeto como o elétron.

Com base nesta linha de raciocínio, os que aderem ao QBism exemplificam o fim dos paradoxos utilizando o famosos Gato de Schrödinger. A "estranheza" de certas interpretações vigentes apontam um gato em que os estados de vivo e morto se sobrepõem até que o gato seja observado: o gato está, assim, antes da observação, vivo e morto. Na nova teoria apresentada no artigo, a qual casa com o senso comum, o gato não estaria vivo e morto, mas vivo ou morto.

Percebo nesta vertente uma outra forma de apresentar o as "variáveis ocultas" de Eisntein-Podolsky-Rosen.

Note que, o raciocínio usado para o Gato de Schrödinger (exemplo do artigo) deve ser possível de ser estendido a outros experimentos (fictícios ou não) sob o domínio da mecânica quântica. Uma questão teórica relevante é a seguinte: se a função de onda não é objetiva (se, ao menos, não representa um fator objetivo de altíssima relevância do comportamento geral de corpúsculos), como explicar a interferência de onda de um só objeto com ele mesmo? Vamos dar um exemplo disto. Um elétron arremessado contra um determinado anteparo, devidamente preparado com duas fendas, segundo o que se pode postular pela QBism, ou se choca contra a barreira, ou passa pela "fenda 1", ou passa pela "fenda 2": não existe o "passar pelas duas fendas". Se ele não passa por ambas as fendas (quando não monitoramos pelo menos uma) e não apresenta um comportamento ondulatório descrito pela função de onda, como explicar o padrão de franjas (interferência) verificado experimentalmente (que estão rigorosamente de acordo com a função de onda, a qual - supostamente - não tem realidade objetiva)? A barreira (colocada após as duas fendas), que atesta o impacto dos elétrons, se observada (via sensor) ou não a passagem do elétron pelas fendas, deveria exibir sempre um fenômeno corpuscular (duas manchas, como faróis de um carro), mas nunca o padrão de interferências ("listas" de claro e escuro), segundo o que se pode entender do artigo aqui referenciado.


Claro que essa falha pode se dar por eu não ter compreendido o artigo, mas, até ler mais sobre a QBism, não vejo como a mesma tenha validade experimental. Se alguém souber como contornar esse problema, é só usar o espaço dos "comentários" (abaixo) e me esclarecer.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um gênio da pintura em ação.


Fiquei tão impressionado com o talento do Miguel V Salazar que fiz um vídeo dele em ação. Os quadros que ele faz são de singular beleza e a velocidade que são feitos é surpreendente.
Embora o tema artístico não faça parte do contexto deste blog, abri uma exceção neste caso.
Para contato com o miguel, ele disponibilizou: artinfussion@yahoo.com


 


sábado, 15 de junho de 2013

Newton, a cabala e a física

Os trechos abaixo integram a dissertação de mestrado (em história da ciência - 2003) de Thaís Cyrino de Mello Forato, cujo o título é "O Método Newtoniano para a Interpretação das Profecias Bíblicas de João e Daniel na Obras: Observations Upon The Prophecies of Daniel and The Apocalypse of St John". Obviamente, por se tratar de extratos, os contexto em que estão na dissertação são perdidos, mas fica a indicação do original para eventual consulta do leitor.

O que quero evidenciar aqui é a influência do misticismo, sobretudo da cabala, na concepção de Newton sobre o universo e, em particular, sobre o seu legado para a física (clássica).


Resumo
As perquirições de Newton acerca da prisca sapientia, cabala, alquimia e teologia, além de sua conhecida produção em filosofia natural, demonstram preocupações pertinentes ao período. Elas evidenciam sua crença no estudo indissociável da religião e da natureza.

Especificamente no caso de seus estudos sobre teologia e religião que se estenderam ao longo de toda sua vida, pode-se verificar que dedicou especial interesse à interpretação das profecias bíblicas, cujo método de análise é focado no presente trabalho. 

Newton não  lançou mão dos principais recursos de sua época, como os requintou, aplicando, de modo singular, o cabedal de conhecimentos nos diversos campos do saber nos quais era versado.

Trechos da dissertação
O estudo apresentado por Brian Copenhaver [70] analisa desde o surgimento da cabala, relacionado ao enfoque dado pela versão judaica da criação do mundo, sua estruturação ao longo do tempo, até a utilização dos seus conceitos pelos filósofos renascentistas, para compará-los aos de Newton.

Segundo ele, os antigos Rabis introduziram na tradição judaica a especulação teológica da relação entre Deus e o espaço, devido inicialmente à presença da palavra hebraica MAKOM (lugar) na literatura bíblica [71].

(...)
Copenhaver nos explica, detalhadamente, o quê escreveram, quando,  onde, sobre quais fundamentados, e quem são “aqueles antigos”, faz uma descrição histórica da “filosofia mística”, enfocando a cabala, e relaciona o significado do espaço absoluto definido por Newton à palavra judaica Lugar/MAKOM.

Embora Copenhaver não tenha mencionado especificamente essa comparação é interessante notar como Newton modificou um trecho contido em um desses manuscritos, ao transcrevê-lo nos Principia:


“Pois dois planetas separados entre si por uma longa distância que está vazia não se atraem mutuamente por qualquer força de gravidade, nem atuam um sobre o outro de modo nenhum, exceto pela mediação de algum princípio ativo que interceda entre eles, pelo qual a força é transmitida de um para o outro. E assim aqueles Antigos que compreenderam corretamente a filosofia mística ensinaram ue um certo espírito infinito permeia todo o espaço e contém e vivifica o mundo universal; [...] nele nós vivemos e nos movemos e somos. Portanto o Deus onipresente é reconhecido e chamado pelos judeus de ‘Lugar’. [...] Por este símbolo os filósofos ensinaram que a matéria é movida naquele espírito infinito e é influenciada por ele, não de um modo irregular, mas harmonicamente e de acordo com as razões harmônicas como eu expliquei".[75]

 (...)



       Em     todo      escólio     geral      Newton       aborda      o     mesmo       aspecto, exemplificando e detalhando suas idéias, permitindo aos estudiosos da cabala identificarem a presença desta filosofia, fundamentando o pensamento newtoniano, apesar da modificação feita por ele:


“Os seis planetas primários são revolucionados ao redor do Sol em círculos concêntricos ao Sol, [...] mas não se pode conceber que meras causas mecânicas poderiam dar origem a tantos movimentos regulares, [...]. Este mais lindo sistema solar, planetas, cometas, poderiam apenas proceder do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso. [...] devem estar todos sujeitos ao domínio de Alguém; [...]. Esse Ser governa todas as coisas. [...] Ele é onipresente não apenas virtualmente, mas substancialmente, pois a virtude não pode existir sem substância. Nele todas as coisas são contidas e movidas; todavia nenhuma afeta a outra [...]. Até aqui temos explicado o fenômeno dos céus e do nosso mar pelo poder da gravidade, mas ainda não tínhamos explicado a causa desse poder. É certo essa dever provir de uma causa que penetra o exato centro do Sol e dos planetas, sem sofrer a menor diminuição de sua força; [...] e propagar sua virtude em todos os lados a imensas distâncias, decrescendo sempre com o inverso do quadrado da distância”.[76]

Apresentamos alguns trechos do trabalho de Copenhaver, que defende a participação da cabala nas origens da ciência moderna. Sob essa óptica, podemos entender que ela possibilitou a Newton desenvolver sua teoria da gravitação universal, não apenas porque estivesse matematizando o “funcionamento” de fenômenos naturais e ignorando suas causas, mas por ter usado o conceito de MAKOM como o sensório de Deus e o espaço absoluto, que ele discute nos Principia, tornando dessa forma possível conceber forças agindo à distância, diferentemente de outras explicações para a gravidade, como por exemplo, a teoria cartesiana presente na época.



Vemos essa mesma idéia no trabalho de J. L. Goldfarb, em um estudo sobre o trabalho de Copenhaver, concordando com suas conclusões e defendendo que foi graças ao conceito cabalístico de lugar, fornecendo a possibilidade de ações à distância, que Newton pôde formular seu sistema de mundo:

“Contra Descartes e outros pensadores que queriam ver Deus fora da res extensa, Newton aproxima-se de corrente intelectual que tinha na Cabala um posicionamento mais penetrante sobre o espaço ou o lugar, aproximando esta noção de algo como um canal de comunicação entre as esferas cifradas da realidade. Um espaço ou lugar animado. Nas palavras de Isaac Newton, o sensório de Deus. A cabala fornecia o espaço ou lugar que fosse simultaneamente base e sustento para o mundo físico e também realidade invisível acessível intelectualmente à mente humana." [77] 


As conclusões de Rattansi, Copenhaver e J. Goldfarb sinalizam um ponto comum: quer tenha sido a cabala, quer tenham sido outras abordagens também presentes no platonismo de Cambridge, foram as idéias trazidas pela tradição renascentista  em declínio no continente, mas revividas na Inglaterra do XVII, as responsáveis pela formulação da doutrina Newtoniana.



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70 B. Copenhaver, “Jewish Theologies of Space…”.

71 Veja em J. L. Goldfarb, “Ciência e Magia: Algumas Considerações sobre o Conceito de
Espaço” in J. L. Goldfarb, coord., VI Seminário Nacional da Ciência e da Tecnologia.

75 I. Newton, manuscrito Cul, Add. 3965.6, f.269; apud Westfall, Never at rest, pp. 510-1.

76 I. Newton, Mathematical Principles..., pp. 369-72.