segunda-feira, 18 de junho de 2012

Onisciência e Livre-Arbítrio


Antes de entra no foco deste texto, é indispensável ressaltar a raiz do problema aqui abordado. Trata-se da aparente mutua exclusão que alguns postulam entre o livre-arbítrio e o determinismo.
O determinismo, em termos simples, nada mais é do que vincular qualquer evento a um conjunto de causas, que o precedem no tempo, as quais determinam, de forma necessária e suficiente, aquilo que observamos. Em outros termos, eventos do presente são inteiramente definidos por fatos (ou outros eventos) que ocorreram no passado.
Esse princípio é natural ao nosso dia-a-dia. Quando planejamos sair de férias, a rotina previamente preparada até chegarmos ao trabalho (ou colégio), a cocção de alimentos para nossas refeições, o saque em caixas eletrônicos, toda a física clássica, dentre inúmeros outros exemplos, são calcados no determinismo: esperamos que o acontecimento futuro, dada as condições que executamos ou percebemos, esteja condicionado.
Já o livre-arbítrio é a condição de arbitrar, decidir forma soberana, de acordo com a vontade pessoal, uma escolha dentre várias disponíveis. É claro que isso excluir incapacidades físicas (por exemplo, voar sem uso de tecnologia ou se teletransportar com o poder do pensamento) e aspectos moralmente (ou legalmente) condenáveis (ao menos para determinado grupo, dado o temor das consequências possíveis advindas de tais atos).
Alguns podem defender que sentimos e escolhemos por força de reações orgânicas próprias e condicionamentos comportamentais adquiridos, o que cai num determinismo absoluto. É exatamente neste sentido que se observa um aparente choque entre livre-arbítrio e o determinismo.
Todavia, têm-se bons textos mostrando que esse choque é dependente da abordagem conceitual do problema e considerações realizadas. Um texto amplo, bem escrito, abrangente e esclarecedor sobre as múltiplas possibilidades sobre o assunto livre-arbítrio e o determinismo pode ser lido em um artigo no exemplar número 1 da revista Dicta&Contradicta.
Esclarecido (no texto apontado) as diversidades de interpretação sobre o assunto livre-arbítrio e o determinismo, cumpri descaracterizar o vínculo, supostamente obrigatório, que alguns fazem entre onisciência de determinismo.
É certo que, em universo determinista, a inteligência capaz de perceber e computar todas as variáveis básicas que condicionam a existência seria perfeitamente competente em predizer sobre qualquer evento que, do nosso ponto de vista, figure como futuro. Seria equivalente a um físico usar uma equação da cinemática para prever a velocidade futura, a qualquer tempo, de um veículo para o qual aquele detivesse a posse das variáveis que determinam a velocidade do automóvel.
Todavia a onisciência pode ir além. Ao consultar os textos deste blog que tratam do tempo (visão clássica ou moderna), pode-se descrever o tempo como um “anotador” de alterações no espaço. Pode-se imaginar as sucessivas disposições da matéria no espaço como diversas fotografias, todas possíveis, das configurações assumidas pela existência física que, uma vez arranjadas convenientemente, demonstram a continuidade a que estamos familiarizados (como uma determinada sequência de fotos pode ser vista como um filme).
Além disso, a partir de uma dada “foto”, as possíveis sequências advindas dessa determinada configuração espacial (distribuição de matéria, incluindo nós, seres humanos, e energia no espaço) são eliminadas na medida em que apenas uma delas figura como parte da realidade que experimentamos.
A ideia de que o tempo e uma dimensão, similar a nossa percepção sobre o espaço, é respaldada no contexto as teoria da relatividade. Segundo se pode deduzir utilizando a teoria da relatividade, nas palavras de seu idealizador, Albert Einstein:

Para nós, físicos convictos, a distinção entre o passado, o presente e o futuro é apenas uma ilusão, ainda que persistente.

Em outras palavras, há equações particulares que advém da relatividade e mostram que o tempo, assim como o espaço é percebido em certo momento, existe como uma dimensão já construída, finalizada. Não perceber isso é, grosso modo, uma limitação humana análoga àquela que levou nossos ancestrais a postular que a Terra é plana e, em outra época, que o sol gira em torno do nosso planeta.
Já a experiência da escolha retardada mostra que, ao menos em níveis de “detalhes”, há uma interligação, um enlace, que conecta eventos em tempos diferentes. Essa conexão demonstra que aquilo que determinado observador considera como o momento em que vive, seu “agora”, pode ter aspectos que só são definidos, na nossa expectativa, com um determinado evento futuro. Note que, a luz da aludida experimentação, os “momentos” que são a Base da percepção do tempo são interdependentes (inclusive o passado em relação o futuro).
Isto posto, a consideração da existência do livre-arbítrio recai na análise de que tal faculdade deve ser atemporal, ou seja, não estar confinada a percepção do tempo contínuo a que estamos encerrado. Do ponto de vista teísta, o real exercício do livre-arbítrio ocorre anteriormente a vivência no universo físico: a consciência, de forma livre, escolhe se quer ou não encarnar e faz todas suas escolhas em um plano que não é o mesmo deste universo. 

Essa percepção é condizente, dentre outras coisas, com um trabalho de Benjamin Libet [1] em que é mostrado que, meio segundo antes de acusarmos consciência física de uma decisão tomada, há um pico de estímulos nervosos no cérebro. Interpreto isso como a captação do nosso sistema nervoso central da decisão tomada (em um plano de existência que embasa o plano físico em que vivemos). Em outras palavras, tomamos consciência da decisão que, em tese, foi nossa cerca de meio segundo após o fato de decidirmos.
Concluo que aqui, no nível físico, vivemos as experiências que abraçamos enquanto num nível de existência pessoal primário, plano esse que "sustenta" o nível material.
Assim sendo, não é uma abordagem pertinente confinar Deus as possibilidades humanas da existência, visto que isto equivale a o submeter a sua própria criação (supostamente). Admitindo que o Criador não se sujeita aos limites de sua criação e, além disso, invocando a percepção de Einstein relativo ao espaço-tempo, tem-se que nossas experiências passadas, presentes ou futuras são perceptíveis a Deus como nós podemos verificar as páginas de uma fotonovela, ou os diversos quadros que compõe um desenho animado.


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[1] INTRODUCTION
PREVIOUS studies had indicated that there is a substantial delay, up to about 0-5 s, before activity at cerebral levels achieves 'neuronal adequacy' for eliciting a conscious somatosensory experience (Libet, Alberts, Wright, Delattre, Levin and Feinstein, 1964; Libet, 1966).


Trecho extraído de "Libet, B., Wright, E. W., Feinstein, B., and Pearl, D. (1979). Subjective referral of the timing for a conscious sensory experience: A functional role for the somatosensory specific projection system in man. Brain, 102(1):193-224."

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