terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nada


Ora, o não ente ao qual nos referimos é justamente o nada, pois o nada é aquilo que é nenhum ente: “Ora, nada (nilhil) significa nenhum ente (nullum ens)” [1]. E o não-ente, que é o nada, é o que não possui o ser. Por isso diz o Aquinate: “Assim, se se considera a emanação de todo ente (emanatio totius entis universalis) a partir do primeiro princípio, é impossível que algum ente seja pressuposto (aliquod ens praesupponatur) a esta emanação (emanationi)”3. Desta feita, a criação consiste na emanação de todo o ser das coisas da sua causa universalíssima, a saber, Deus, e esta produção singularíssima dá-se a partir do nada, isto é, de coisa alguma: “(...) assim também a criação (creatio), que é a emanação de todo ser (emanatio totius esse), é a partir do não ente (ex non ente), que é o nada (quod est nihil)”[1].[2]

Pois, diz Agostinho: fazer é produzir o que antes de nenhum modo existia; ao passo que criar é constituir alguma coisa, tirando-a do que já existia [3].

Por onde, assim como o homem é gerado do não-ser, que é não-homem, assim também a criação, que é a emanação do ser total, procede do não-ser que é o nada [4].

"... a energia do universo deve permanecer constante. Isso é necessário para fazer com que o universo seja um local estável - para fazê-lo de tal modo que as coisas não apareçam simplesmente do nada. Se a energia total do universo deve permanecer nula, e se é necessário energia para criar um corpo, como todo um universo pode ter sido criado no nada? ... Como a gravidade é atrativa, a energia gravitacional é negativa..." [5]




Pensei em colocar a definição de nada, que conste em algum dicionário, no início deste texto, mas acho que não contribui muito com a finalidade aqui pretendida.

A palavra nada, em seu sentido irrestrito, aplicada em toda sua amplitude, leva à inexistência absoluta: remova matéria, energia, campos, espaço, tempo, exclua tudo para fazer jus ao termo.

Todavia, de forma restrita, é certo que, em dados contextos, nem sempre explícitos, nada é empregado para mostrar a ausência de um (ou um conjunto específico de) elemento(s) ou qualidade(s), como, por exemplo: Fui à loja e não tinha nada lá! Não vejo nada naquela pessoa.

Em termos físicos, o nada no conceito filosófico absoluto, até onde se sabe, não existe: é conceitual. Analisemos, de forma simplificada, a questão. Se existe um universo, então existe algo, logo não se pode aplicar aquele conceito geral de nada. Ainda que nos restrinjamos, imaginando, por exemplo, uma pequeníssima porção do nosso universo, mesmo assim o termo só pode ser aplicável com o sentido de vácuo, de espaço vazio. Mesmo este último pode sofrer certa variação face às descobertas científicas modernas. Isso pode ser verificado em citações como:
"Os conceitos de espaço vazio e de nada, da ausência total de tudo, tomam um sentido inteiramente novo quando a mecânica quântica entra em cena."
Brian Greene, O Tecido do Cosmo.

Aqueles que já leram sobre o fenômeno da flutuação quântica sabem que no vácuo do espaço profundo, além do espaço-tempo (que já é algo), ainda existe, em nível subatómico, uma intensa e frenética atividade de campos (gravitacional, eletromagnético, etc.).

Para um teísta cujo conceito de Deus esteja ligado a eternidade (dentre outros), parece-me ser impossível aplicar nada em sua amplitude plena. Um ser eterno já descaracteriza essa possibilidade. E, ainda, se Deus for tomado como onipresente, mais contextualizada ainda se deve aplicar a palavra nada. Ou seja, para um cristão, o nada estará contextualizado caso não seja uma discussão filosófica meramente de conceitos.

Assim sendo, para evitar confronto de conceitos, a aplicação do termo nada associado a Deus, como, por exemplo, Ele criando do nada, deve ser entendido num sentido restrito, algo como: nada que conheçamos ou concebamos.

Algo próximo, ou, talvez, propriamente dito, é tido no budismo ao se referir ao nirvana. Este termo pode ser compreendido como “apagamento”, “extinção”, que passa a ser meta da prática da filosofia de Buda: “...não deve ser entendido como aniquilação, mas sim como entrada em outra forma de existência.” [6].

Isto posto, pode-se melhor compreender a explicação do termo Ein Sof (cabala): “Antes que qualquer forma tivesse sido criada, Deus estava só; sem forma e semelhante a nada. E porque o homem não é capaz de conceber Deus como Ele realmente é, não lhe é permitido representá-Lo, nem em pintura, nem por Seu Nome, nem inclusive por um ponto.” [7].


[1]TOMÁS DE AQUINO. Suma TeológicaTrad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. I, 45, 1.

[2] O Deus Criador em Tomás de Aquino, de Sávio Laet de Barros Campos

[3] Contra adversarium legis et prophetarum, lib. I, cap. XXIII.

[4] Suma Teológica, São Tomás de Aquino

[5] O Grande Projeto - Stephen Hawking e Leonard Mlodinow

[6] Coleção Para Saber Mais, Super Interessante, Buda, de Caco de Paula.

[7] O Zohar, O Livro do Esplendor, passagens selecionadas pelo rabino Ariel Bension.

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